Muitas atletas continuam a treinar – e a competir – depois de engravidar. Essa prática ganhou o aval, recentemente, de um relatório encomendado pelo Comitê Olímpico Internacional, que afirma que há menos riscos do que se pensava para as atletas que competem grávidas. Afinal, quais são os riscos e precauções que mulheres acostumadas ao esporte devem tomar ao descobrir a gravidez?
“Existem apenas alguns estudos de qualidade sobre a gravidez entre atletas de elite ou mulheres que se exercitam muito, mas parece que muitas continuam a se exercitar durante a gravidez e isso não as afeta de forma negativa. Não parece prejudicar a mãe e nem o feto”, afirma a professora Kari Bo, da Universidade Norueguesa de Ciências do Esporte.
Em princípio, essas atletas não têm um risco maior de problemas na gestação ou com os bebês. Mas Bo afirma que, quando problemas do tipo ocorrem, as pessoas costumam relacioná-los imediatamente à atividade física durante a gravidez, o que nem sempre é o certo. Um caso curioso na história do esporte de alto rendimento é o da corredora norueguesa Ingrid Kristiansen, que em março de 1983 perdeu Campeonato Mundial de Cross Country apesar de seu favoritismo na prova. Depois, ela contou que estava grávida de quase cinco meses.
“Acho que foi o jeito que eu corria. Talvez eu estivesse um pouco mais pesada na parte superior do corpo, não tenho certeza”, contou Ingrid. Mas, poucos meses antes, ela havia vencido a Maratona de Houston, nos EUA, com um tempo de duas horas e 33 minutos – já grávida.
Ciclo irregular Atletas frequentemente têm um ciclo menstrual irregular, então pode acontecer que algumas participem de competições sem sequer saber que estão grávidas. Nos últimos anos, pelo menos 17 mulheres competiram em Olimpíadas durante a gestação. Algumas sabiam: uma imagem famosa é dos Jogos de Londres em 2012, quando a atleta malaia Nur Suryani Taini participou da prova de tiro com uma barriga de oito meses de gravidez.
Exercitar ou não exercitar? Os conselhos dados às mulheres grávidas em relação à prática de exercícios costumam ser confusos e especulativos. Durante muito tempo se acreditou que o exercício prejudicava a capacidade reprodutiva de uma mulher. As raízes desse pensamento não eram científicas e tinham mais a ver com papéis designados para cada gênero do que com a saúde da mãe ou do bebê.
Mas, na década de 1980, alguns pesquisadores começaram a analisar o impacto do exercício sobre o corpo de uma mulher – em termos de oxigênio, fluxo sanguíneo, nutrientes e temperatura. E chegaram à conclusão de que eram os mesmos impactos exercidos por um feto. Esses médicos então sugeriram que, se uma mulher grávida se exercitasse, o feto poderia perder a disputa pelos recursos disponíveis no corpo da gestante. “De certa forma, está certo. Mas as mulheres que são atléticas também têm uma distribuição do sangue muito boa, então (a atividade) não parece fazer mal ao feto”, afirmou Bo. “Ao mesmo tempo é óbvio que a placenta também recebe uma nutrição melhor quando a mulher se exercita. Ou seja, acontece um tipo de compensação.”
Mulheres grávidas regulam melhor a temperatura corporal (e é por isso que elas podem transpirar mais) e têm maior capacidade cardiovascular. As mudanças hormonais podem fazer com que elas sintam maior flexibilidade nas juntas, e um aumento na concentração de células vermelhas no sangue significa que elas estão transportando mais oxigênio pelo corpo.
Estudos indicam que atletas de elite que treinam durante e depois da gravidez podem observar um aumento no consumo máximo de oxigênio de entre 5% e 10% nos meses depois do parto, apesar de isso não ter sido observado naquelas que praticam esportes apenas por lazer. Bo afirma que a mensagem para as atletas grávidas é simples: ouça seu corpo. Se você fizer algo que não parecer certo, provavelmente será melhor parar. “Os poucos estudos que temos mostram que atletas grávidas reduzem a intensidade e a frequência de treinos por conta própria. Isso acontece quando sua barriga está crescendo e você sente a criança pulando junto com você, o que não é muito bom”, afirmou a professora.
Dicas A professora Kari Bo acredita que as próprias atletas são as mais indicadas para analisar sua habilidade de treinar durante a gravidez. Mas ela oferece algumas dicas:
No primeiro trimestre (período de 12 semanas) é melhor evitar um grande aumento na temperatura corporal, o ideal é usar roupas leves ou se exercitar em ambientes com ar-condicionado, evitando também o exercício exaustivo em dias muito quentes. Atletas de levantamento de peso provavelmente devem reduzir o esforço durante a gravidez, já que isso pode aumentar a pressão sanguínea, parar o fluxo de sangue para o feto e pressionar a região pélvica.
Mergulho não é indicado durante a gravidez, e mulheres no último trimestre também devem evitar esportes de contato intenso como futebol ou hóquei, nos quais elas podem sofrer quedas ou colisões. No último trimestre, as atletas não devem praticar exercícios que superem os 90% de seu consumo máximo de oxigênio, já que isso pode diminuir o batimento cardíaco do feto.
Recomendações
A nova pesquisa se encaixa nas recomendações dadas ao público em geral. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas recomenda que as mulheres grávidas façam exercícios aeróbicos e de resistência que podem reduzir o risco de diabetes e melhorar o bem-estar mental. Mas antes de começar um programa de exercícios elas devem procurar aconselhamento médico.
No, Reino Unido, o serviço nacional de saúde recomenda que grávidas continuem a se exercitar, mas evitem exercícios extenuantes – noção que depende de o quão em forma está a mulher e quanto esporte ela já pratica.
Um exemplo é o da atleta sueca Eva Nystrom, que estava entre a sétima e a oitava semana de gravidez quando venceu uma prova nacional de duatlo (corrida de dez quilômetros, seguida por 40 quilômetros na bicicleta e outra corrida de cinco quilômetros). Dois dias depois, Nystron – que já sabia que estava grávida – foi correr e passou mal.
“Foi como um sinal para eu ouvir meu corpo, eu tinha que esfriar um pouco. No começo treinei e corri demais”, disse. Ela continuou correndo regularmente. Mas, com o avanço da gravidez e o aumento de peso, ela começou a sentir dores nas costas. Como naquele ano houve muita neve no sul da Suécia, Nystrom começou a treinar esqui cross-country cerca de uma hora por dia. A atleta treinava logo de manhã, para evitar os olhares de desaprovação. “Treinei pela última vez 24 horas antes de obebê nascer. Estava um pouco cansada, mas foi tudo bem”, contou.
Depois do parto O conselho tradicionalmente dado a mulheres depois do parto é para pegar leve nas seis semanas seguintes ao nascimento, mas a professora Kari Bo afirmou que isso não se aplica a todas. Na verdade, as atletas que passaram por uma gravidez e um parto fáceis frequentemente voltam a se exercitar depois de uma ou duas semanas.
Em 1983, Ingrid Kristiansen teve apenas quatro dias de descanso depois do parto do filho Gaute, e então ela voltou a treinar. Ela venceu novamente a Maratona de Houston com um tempo de duas horas, 27 minutos e 51 segundos, cinco minutos abaixo de seu tempo anterior na mesma maratona. Depois do nascimento do filho, Kristiansen deu início à melhor fase de sua carreira estabelecendo recordes para a maratona, os 10 mil metros e os 5 mil metros.
Eva Nyston foi campeã mundial de biatlo de longa distância em 2012, já mãe. As duas atletas fazem parte de um crescente grupo de mulheres que mostram que é possível, com o apoio adequado, organizar o treino e as competições e não prejudicar a vida do bebê. Mas, apesar do novo relatório do COI, Kari Bo reconhece que já recomendou várias vezes para as atletas diminuírem o ritmo durante a gravidez. “Acho que as atletas têm muito, muito medo de ficar fora de forma. E, para essas mulheres, eu digo: você não vai perder muito ao se exercitar moderadamente nos últimos dois meses da sua gravidez. São apenas alguns meses de sua vida. Então tome cuidado, porque você está carregando um passageiro.”
Fonte: BBC Brasil
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